segunda-feira, 18 de agosto de 2014

As noções de erro e fracasso no contexto escolar




Síntese do texto: “As noções de erro e fracasso no contexto escolar: algumas considerações preliminares”.
José Sérgio de Fonseca de Carvalho

  •  A associação entre o erro e o fracasso apresenta-se à nossa mente quase como um substantivo composto, que frequentemente culmina na reprovação do aluno.
  • O erro seria um indício de fracasso no conhecimento e na aprendizagem como se houvesse uma ligação entre eles de causa e efeito?
  • Poderíamos não apenas dissociá-los, mas, por exemplo, sugerir outros pares como erro e conhecimento, erro e efeito?
  • Não são poucos os pensadores que analisam e tentam associar o erro a outras noções como esperança, conhecimento e aprendizagem.
  • Esses pensadores não são necessariamente pedagogos modernos, professores permissivos nem reformadores educacionais. São filósofos, por vezes distanciados de nós no tempo, por vezes distanciado da preocupação pedagógica, mas que têm muito a nos dizer, já que frequentemente refletiram o papel do erro para o conhecimento, para aprendizagem ou para algum outro aspecto da conduta humana.
  • Demóstenes, antigo filósofo grego, via no erro não um caminho para o fracasso ou para o desespero, mas antes uma razão para a esperança.
  • O filósofo Bacon, que cita Demóstenes, nos diz que a verdade emerge mais facilmente do erro do que da confusão.
  • Então, erro e esperança, erro e verdade ou erro e aprendizagem são apenas algumas possíveis associações que podem ser geradas. Eles foram citados simplesmente para mostrar que automatismo da ligação entre o erro e o fracasso pode ser mais proveniente de uma associação mecânica
  • Quando associamos o erro e fracasso, como se fossem causa e consequência, nem se quer percebemos que, enquanto um termo—o erro—é um dado, algo detectável, o outro—o fracasso—é um fruto de uma interpretação desse dado e não a consequência necessária do erro.
  • De maneira geral, um erro pode ser interpretado de diversas formas.
  • A constatação do erro não nos indica, de imediato, que não houve aprendizagem tampouco nos sugere inequivocamente fracasso, seja da aprendizagem ou do ensino.
  •  Uma resposta errada a um problema ou questão pode explicitar dois fatos totalmente distintos: a ignorância, a confusão ou o esquecimento de um dado, uma informação, ou então a ignorância ou malogro de uma operação, por meio de uma tentativa frustrada de aplicação de uma regra ou de um princípio na resolução de um problema.
  • O objetivo do ensino de qualquer disciplina sempre ultrapassa a mera memorização de informações e de casos exemplares dos quais o professor, inevitavelmente, se vale na busca da transmissão de um conteúdo qualquer.
  •  Avaliamos o êxito de qualquer ensino não pela capacidade de reprodução que o aluno tem do que foi apresentado como informação ou caso exemplar, mas pela sua capacidade de construir soluções próprias a novos problemas, ainda que para isso ele recorra àquilo que lhe foi colocado como caso exemplar, ou seja, que ele lance mão das “soluções canônicas” que lhe foram apresentadas em aula.
  • Não somos simplesmente transmissores de informação, mas professores preocupados sobretudo em desenvolver capacidades, é preciso que tenhamos clareza na distinção entre meros erros de informação e problemas no desempenho de capacidades. E uma primeira distinção pode repousar justamente na diferença entre ignorar uma informação e desenvolver um raciocínio (ou uma operação) de forma parcial ou completamente equivocada.
  •  Avaliar o desenvolvimento de uma capacidade exige a determinação do grau de desempenho prévio do aluno, do nível de seu progresso, e, sobretudo, da pertinência de nossas exigências ante as possibilidades e necessidades reais desse aluno – o que é notadamente diferente de apontar um erro de informação.
  • Um desempenho é classificado como satisfatório ou não dependendo das variáveis do contexto. É assim, por exemplo, que avaliamos o desempenho de um jogador de futebol no campo da esquina ou na copa do mundo. Nossos critérios para avaliar a gravidade do erro ou a excelência do desempenho em capacidades são variáveis, e é imprescindível que eles o sejam, tanto no futebol como na escola.
  •  Um erro de informação é corrigido dando-se a informação correta ou preenchendo a lacuna da ignorância com uma informação que não se tinha.
  • O que é o discernimento? É definido por Oakeshott como o elemento implícito ou tácito do conhecimento, que não é passível de compartimentalização em informações ou itens isolados sob a forma de proposições, tal como as informações. Ao ser aprendido, ele não se torna passível de esquecimento.
  • O discernimento é o “resíduo que permanece quando tudo mais se esquece, é a sombra do conhecimento perdido”
  • Por exemplo no aprendizado de uma língua, a ampliação do vocabulário e a correção nas construções só são possíveis porque agimos por meio de tentativas, erros e avaliação crítica de novos usos, até o ponto em que aquilo que um dia nos foi impossível torna-se viável.
  • O contexto escolar deveria ser o local por excelência das tentativas próprias de solução de problemas, seguidas de um exame crítico por parte do professor.
  •  Não existimos para decretar fracasso, mas para promover aprendizagens.
  • Apontar um erro não significa “podar uma criatividade”, nem decretar o fracasso. Significa instrumentalizar os alunos para que adquiram uma capacidade que não podemos pressupor que tenham.
  •  Sempre que empregamos a noção de ensino temos em mente, implícita ou explicitamente, um ato com três elementos: alguém que ensina, no caso de instituições escolares, o professor; algo que é ensinado, uma disciplina ou habilidade constante do currículo escolar, e alguém a quem se ensina, os alunos.
  • Se o ensino conta com esses três elementos, é no mínimo plausível imaginarmos qu quando não há aprendizagem, a causa pode igualmente encontrar-se em qualquer um dos três, ou mesmo na combinação entre esses fatores, e não apenas naquele a quem se ensina.
  • Atribuímos o fracasso à sua preguiça, ao seu despreparo, as suas condições de vida e assim por diante.
  • Então qual o significado de um índice de reprovação de 20%, 30%, 40% ou mais? A viabilidade da primeira hipótese, de que somente um pequeno percentual das crianças está preparada, é capaz ou merece continuar a escolaridade, é condicionada por outra premissa, não de natureza pedagógica, mas de política educacional: a de que a escola é para alguns.
  •  A forma pela qual um professor interpreta e trabalha o erro ou na inadequação de uma produção do aluno não pode ignorar o compromisso que anima o ideal de uma escolaridade fundamental para a população.



CARVALHO, José Sérgio de Fonseca de Carvalho.As noções de erro e fracasso no contexto escolar: algumas considerações preliminares. IN: AQUINO, Julio Groppa (Org). Erro e fracasso na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 1997, p.11-24.

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