Síntese: Prática escolar: do erro como fonte de castigo ao erro como fonte de virtude
Com o avanço do
tempo, os castigos educacionais nas escolas foram perdendo o seu caráter no
aspecto físico e se transformando em agressões mais tênues, mas nem por isso
desprovidos de violência.
Nas práticas
escolares do passado, os castigos eram na sua maioria, físicos. No Sul, os
professores usavam réguas escolares para bater em seus alunos. Já no Nordeste
brasileiro a Palmatória era instrumento de castigo com o qual os educadores
disciplinavam os seus educandos. Existia também o castigo “moral”, onde o professor
deixava o aluno de “pé” durante a aula toda ou de joelhos em milhos ou feijões
como forma de punição por respostas “incorretas”.
Raramente hoje em
dia usa-se essa forma de disciplina, porém, os castigos escolares ainda fazem
parte do meio pedagógico, só que de maneiras diferentes, mas sutis. O castigo
não atinge tanto o físico do aluno, mas sim a sua personalidade.
Um exemplo de
agressão sutil: “Uma pergunta autoritária que transmite medo e ansiedade é
passada de aluno para aluno, provocando um clima de tensão e de culpa, pois
muitas vezes não se obtêm a resposta necessária”. Essa maneira de conduzir a
aprendizagem implica na fragilidade do aluno e na gravidade da “agressão
emocional” provocada pelo educador, que intitula como “fraco” o aluno que não
consegue se sobressair e de “forte” o aluno que corresponde as suas
expectativas, ridicularizando, assim, os “fracos” perante a turma. O discurso
ou ação imposta pelo professor e pelos colegas caracteriza-se então como forma
de castigar e amedrontar o aluno tenso. Ainda existem outros castigos
como: Ficar retido na sala de aula; Ficar sem lanche; Fazer tarefas “extras”.
Entre outras inúmeras modalidades de castigos e ameaças que são emergidos como
erro – verdadeiro ou suposto – ou seja, marca o aluno tanto pelo seu conteúdo
funciona como quanto pela sua forma. Tais atitudes empregadas repetidas vezes
provocam ansiedade, medo e vergonha, a postura corporal que o aluno manifesta,
como a sua maneira de respirar com intensa dificuldade é uma representação clara
de sua tensão diante da situação. Essa ação de medo funciona como um antídoto
possível contra as catástrofes que estão para desabar. O educador adquire uma
atenção (limitada) e com preços altos a se pagar.
Esse erro na
prática escolar se desenvolve como uma compreensão culposa na vida do aluno,
pois além de ele ser castigado por outros, muitas vezes sofre pela autopunição,
exemplo, Quando um jovem não vai bem numa aprendizagem, ele diz: “Poxa, isso só
acontece comigo!”.
O trabalho
psicológico futuro para que essas crianças e jovens de hoje se libertem de suas
fobias e ansiedades será gigantesco, pois eles adquiriram hábitos
biopsicológicos inconscientes criados pelo medo, que com certeza não serve para
nada mais além do que garantir uma submissão internalizada que tolhe a vida e a
liberdade criando a dependência desses seres humanos para seguir em frente.
A ideia central e
a prática do castigo discorrem das concepções de que as condutas de um sujeito
– aqui, no caso, do educando – que não satisfaz as expectativas de um
determinado padrão e merecem ser castigadas, a fim de que ele “pague” por um
erro e que “aprenda” a assumir condutas que seriam corretas para o educador.
Por essa razão se conduz a concepção de que o entendimento e a prática do
castigo decorrem de uma visão culposa dos atos. Em outras palavras, a culpa
está na raiz do castigo.
Nessa
perspectiva, o erro está sempre relacionado a condenação e castigo porque
decorre de uma culpa. A ideia da culpa está relacionada, entre outras coisas,
com a concepção filosófica-religiosa de que somos frutos do pecado que nos
acompanha desde o nosso nascimento até a nossa função cultural -
“ocidental-cristã” – que foi marcada pela perspectiva da queda, contida no
livro da Bíblia no texto de Gênesis. Daí então, todos os seres viventes –
homens e mulheres – que viessem a nascer teriam essa marca.
Entretanto... o
viés da culpa não é gratuito, pois a própria culpa causa uma limitação de vida
e produz uma rigidez na conduta, emergindo dessa forma um controle social
internalizado e fazendo com que cada um se torne “engessado”, impossibilitado
de expandir seus sentimentos. A sociedade conservadora não suporta existir sem
suas formas de mecanismos de controle, tornando assim a culpa muito útil. Essa
trama nas relações sociais e que constitui o tecido da sociedade m si tem uma
forma determinante sobre as nossas condutas individuais, contudo, o erro
poderia ser visto também como fonte de virtude, ou seja, de crescimento pessoal.
Isso implica
estar sempre aberto e observando o acontecimento como um acontecimento e não
como um erro; observar sem preconceito para dele retirar os benefícios.
Uma conduta é
somente uma conduta, um fato. Ela só pode ser determinada como erro a partir de
determinados padrões de julgamento, ou seja, é preciso antes de mais nada
observar para depois julgar, mas a nossa prática tem sido inversa: primeiro
colocamos a barreira do julgamento e só depois tentamos observar os fatos que
ocorreram.
Obviamente não é nada fácil observar
antes de julgar, mas precisamos adquirir e aprender essa conduta se quisermos
realmente usar o erro como fonte de virtude, pois o erro só emerge da
existência de um padrão considerado correto, ou seja, sem padrão não há como
haver erro. O que existe é uma ação insatisfatória, no sentido de que ela não
atingiu objetivo buscado.
Essa
característica de “acerto\erro” é grande e pode ser muito útil para expressar o
esforço de alguém que busca “na escuridão do conhecimento” um caminho para
compreender e para agir sobre o universo. Entretanto, se atentamos bem para o
que acontece, iremos perceber que não há nem acertos e nem erros, apenas um
processo de sucesso ou insucesso como resultado da atividade. Nesse caso não
temos nem acerto nem erro já que não existe um padrão que possa julgar tal
atitude, em suma, na aprendizagem escolar pode ocorrer manifestação da conduta
no aprendizado, uma vez que já existe o padrão do conhecimento da habilidades
ou soluções que devem ser aprendidas.
Não há porque ser
castigado pelos outros ou por si mesmo só porque uma solução se deu de forma
“mal sucedida”. O que verdadeiramente há é a possibilidade de utilizar de
maneira positiva a situação para a abordagem de certos pretendida. “Thomas
Edson fez mais de mil experiências para chegar a lâmpada e obteve muitos
experimentos mal sucedidos antes de sua descoberta. Quando questionado pelo seu
colaborador de porque não desistir, Thomas simplesmente respondeu:
Porque desistir
agora se estamos cada vez mais próximos de descobrir como fazer uma lâmpada?”
Os insucessos
foram servindo, dessa maneira de trampolim para o sucesso de sua busca, ou
seja, neste contexto, ele não significou erro ao contrário disso, serviu como
ponto de partida para os avanços nas investigações por uma busca satisfatória.
O erro,
especialmente no caso da aprendizagem não deve ser fonte de castigo, pois é um
suporte para a auto compreensão, seja ela pela busca individual, seja pela
busca coletiva, formando assim, um suporte para o conhecimento.
A avaliação da
aprendizagem deve servir de ajuda para a qualificação daquilo que acontece com
o aluno, diante dos objetivos alcançados, de tal modo que se possa averiguar
como agir para ajudá-lo a alcançar suas metas. A avaliação não deveria ser
fonte de decisão para o castigo, mas de decisão para os caminhos de um
crescimento sadio e feliz.
Reiteramos também
que o insucesso e o erro, em si, não são necessários para o desenvolvimento,
entretanto, uma vez que ocorram, não devemos fazer deles fontes de culpa e de
castigo, mas sim trampolins para saltos em direção a uma vida consciente e
satisfeita.
LUCKESI, Cipriano Carlos. Prática escolar: do erro como fonte de castigo ao erro como fonte de virtude. In: LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições. 22. Ed. São Paulo: Cortez, 2011, p. 189-200.
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