segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Avaliação da aprendizagem escolar: um ato amoroso



Síntese: Avaliação da aprendizagem escolar: um ato amoroso

Amoroso aqui, é entendido como o cuidado do educador para com o seu educando até que ele aprenda o que é necessário. Todo educando aprende, se efetiva e afetivamente ensinado. Atuar dessa maneira significa amorosidade, e pois, inclusão. A partir daí ele cumpre o papel de sinalizar para o professor de que o sucesso positivo do ensino-aprendizagem depende também de cuidado permanente, incansável e amoroso. Quero sintetizar que o ato de avaliar a aprendizagem, por si, é um ato amoroso.
Provas/Exames tem por finalidade, com relação a aprendizagem escolar, verificar o nível de desempenho do educando em determinado conteúdo e classifica-lo em termos de aprovação/reprovação, separando assim, os “eleitos” dos “não eleitos”.
Essa característica das provas/exames, porém, não é graciosa. Ela está comprometida, como os enunciados dos textos e falas, com o modelo de prática educativa e de sociedade a que serve. No caso das Provas/Exames, temos o seu conhecimento na origem moderna que se sistematizou a partir do século XVI e XVII, com a aparição da sociedade burguesa. A prática que conhecemos é herdeira dessa época, pois a sociedade burguesa é marcada pela exclusão e marginalização de grande parte dos seus membros.  Basta notar que os slogans da Revolução Francesa, por si, eram amorosos, mas nenhum deles é traduzido como prática histórica e concreta da sociedade. Essa liberdade foi definida no limite da lei; evidentemente, da lei burguesa. E a fraternidade permaneceu como palavra que o vento levou (Praticar a fraternidade seria negar a possibilidades da sociedade burguesa, que tem por base a exploração do outro pela apropriação do excedente do seu trabalho, ou seja, pela apropriação da patê não paga pelo trabalho alheio e nesse contexto, o ato pedagógico, e ainda menos, o ato das provas/exames poderiam ser um ato amoroso).
A denominação avaliação da aprendizagem é nova e foi atribuída a Ralph Tyler, que a cunhou em 1930. Ele é educador norte-americano à questão de um ensino que fosse eficiente e aqui no Brasil ele é conhecido pelo seu livro Princípios Básicos de currículo e ensino, publicado e traduzido pela editora Globo.
Essa denominação mudou, porém a prática continuou a mesma, as de provas e exames. Ela é muito difícil de ser mudada por que a avaliação, por si, é um ato amoroso, mas a sociedade em que está sendo praticada não o é, daí vence a sociedade e não a avaliação. Enquanto as finalidades e funções das provas e exames são as mesmas que as da sociedade burguesa, as da avaliação a questionam, por isso é tão difícil realizar a avaliação na integralidade do seu conceito.
O ato amoroso é o ato que acolhe ações, alegrias e dores como eles são; acolhe para permitir que cada coisa seja o que é, neste momento. Para tanto, o ato amoroso tem como característica não julgar. Os julgamentos até aparecerão, mas com o objetivo de dar curso à vida e não de excluí-la. É como na passagem de Maria Madalena, onde Cristo inclinou-se aos seios dos seres humanos, enfrentando os fariseus com a seguinte frase: “Atire a primeira pedra quem não tiver pecado algum”. E com essa expressão ele a acolheu, por isso ela foi curada no corpo e na alma, pois o acolhimento integra e o julgamento afasta.  Esse ato de Cristo foi um ato amoroso, que por si só se tornou acolhedor, integrativo e inclusivo.
A avaliação tem por base acolher uma situação, para então (e só então), ajuizar a sua qualidade, tendo em vista estender-lhe a mão se necessário for ela tem como base a inclusão e não a exclusão; a inclusão e não a seleção. A prática de provas e exames exclui parte dos educandos, por basear-se no julgamento, já a avaliação os inclui por devido ao fato de diagnosticá-los e, por isso, oferecer-lhes condições para encontrar o caminho a seguir.
De um lado, a avaliação da aprendizagem tem por meta ajudar o aluno em seu crescimento, e por isso, na sua integração, ajuda-o na apropriação dos conteúdos significativos. Aqui, ela se apresenta como meio constante de fornecer suporte ao aluno no seu processo de descoberta e de constituição de si mesmo.
Por outro lado, a avaliação da aprendizagem responde a uma necessidade social, pois a escola recebe o poder social de educar as novas gerações, e por esse motivo deve responder a esse poder. Esses dois objetivos só fazem sentido e caminham se estiverem juntos, porque se for dada a atenção apenas ao sujeito indivíduo, iremos cair no espontaneísmo; e se centrarmos apenas o segundo, chegaremos ao auge do autoritarismo.
O caminho é o meio, onde o crescimento do educando articula-se com o coletivo, não no sentido de atrelamento, mas no sentido da responsabilidade que a escola necessita ter com cada indivíduo.
Assim sendo, a avaliação da aprendizagem auxilia educando e educador em sua viagem comum de crescimento, e juntos eles constroem a aprendizagem, testemunhando-a tanto para a escola quanto para a sociedade. A construção, para ser construção, deve incluir, seja do ponto de vista individual, seja do ponto de vista coletivo, integrando e educando num grupo de iguais, do todo e da sociedade geral.
É importante estar atentos à função constitutiva de diagnóstico para uma avaliação que crie bases para a tomada de decisões, por meio de encaminhar os atos subsequentes, na perspectiva da busca de maior desempenho nos resultados. São elas:
Propiciar a auto compreensão, tanto do aluno quanto do professor, por meio dos atos de avaliação como aliados na construção dos resultados satisfatórios. É necessário ter consciência de onde se está, para assim conseguir acolher aonde quer que for. Como aliados, aluno e professor podem se auto compreender a partir da avaliação da aprendizagem.
 Motivar o crescimento. A avaliação motiva na medida que diagnostica e cria assim, desejos para obter resultados satisfatórios. Os alunos sentem-se mal com comentários desabonadores feitos pelos professores no momento da devolução de trabalhos e dos seus resultados, sentindo-se desmotivados pelas palavras. A avaliação pode e deve ser motivadora para o aluno e para o seu crescimento e busca pelas possiblidades.
Aprofundar a aprendizagem, dando ao educando a oportunidade de aprender o conteúdo obtido nos exercícios e de forma apropriada, pois aqui o exercício é tido como para o aluno como fonte de possibilidades e de múltiplas oportunidades de aprender. Os exercícios podem e devem ser tomados como exercícios de aprendizagem.
Auxiliar a aprendizagem. Se tivermos a compreensão de que a avaliação auxilia na aprendizagem, certamente estaremos fazendo o melhor para que os nossos alunos aprendam e se desenvolvam.
Por fim, para cumprir essas funções, é importante que estejamos atentos a alguns cuidados que serão usados como instrumento de operacionalização:
Ter ciência de que, por meio desses instrumentos de avaliação estamos solicitando ao aluno que manifeste sua intimidade. Não podemos, então, aproveitar essa manifestação para “tomar posse” desses alunos, respeitando sua intimidade e a cuidando com carinho.
Construir instrumentos para coletas de dados e avaliação, com atenção aos pontos: Cobrir uma amostra significativa de todos os conteúdos ensinados e aprendidos de fato, para os planejamentos de ensino para a avaliação; Compatibilizar as atividades motoras, trabalhadas e desenvolvidas na prática do ensino aprendizagem; Compatibilizar os níveis de dificuldade, pois um instrumento de avaliação não pode ser fácil ou difícil demais. Ele deve ser compatível, em termos de aprendizagem; Usar uma língua clara e compreensível, para salientar o que se deseja pedir, porque ninguém pode responder uma pergunta sem compreendê-la; Construir instrumentos que auxiliem a aprendizagem dos alunos, seja por métodos de demonstração, seja por essencialidade ou pelos exercícios inteligentes cognitivos propostos.
Por último, é preciso estarmos atentos também ao processo de correção e devolução dos instrumentos de avaliação escolar dos estudantes:
Quanto a correção, é importante não usar somente o vermelho como cor predominante dos exercícios mal sucedidos. Pode-se usar outra cor, e não é necessário borrar os trabalhos, tendo um afeto positivo na hora da correção.
Quanto a devolução, é importante que o professor, pessoalmente entregue a avaliação ao educando, pois foi dele que o professor a recebeu. Isso implica respeita pelo aluno e a oportunidade de um processo de diálogo construtivo entre educador e aluno.
Assim a avaliação se destina ao diagnóstico, por isso ela é inclusão, por que destina-se a melhoria no ciclo de vida. É visível a nossa dificuldade em compreendê-la e praticá-la... Mas, o convite deve ser feito. É uma meta a ser traçada e trabalhada, para que com o tempo, se transforme em realidade, por meio de nossas atitudes e ações, pois somos nós os responsáveis diretos por esse processo.


LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da aprendizagem escolar: um ato amoroso. In:
LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições. 22. Ed. São Paulo: Cortez, 2011, p. 201-213.

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